Negligência Geracional em Dominó e a Geração Digital das Cavernas
- Sofia R. Willcox

- há 19 horas
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Atualizado: há 18 horas
2025 foi um dos anos em que vivemos uma negligência geracional em efeito dominó, marcada pelo cancelamento de canais de televisão e programas voltados ao público jovem, tanto na TV a cabo quanto na aberta. Entre eles, destacam-se TV Globinho (2015), Malhação (2021), Cartoon Network (2022), Disney Channel (2025), além de MTV e Nickelodeon (2026). Um minuto de silêncio para o Bom Dia Companhia que ainda (re)existe. O mesmo ocorreu com revistas que encerraram sua circulação impressa: Superinteressante (2011), Toda Teen (2012), Capricho (2015), Atrevidinha (2016) e Recreio (2021).
Todos tinham a mesma galinha de ovos de ouro: os jovens. A maior parte perdeu público para a outra tela, a internet, e enfrentou dificuldades financeiras para manter seu status de porta-voz da juventude e a conexão com esse público. Diante dessa ausência, estamos entregando pérolas aos porcos de mão beijada ou recriando as cavernas do período Paleolítico?
Geração digital: hiperconectada, desconectada dos arredores
É inegável o quanto as telas estão presentes em nossas vidas, assim como as notificações contínuas que nos paralisam, ambas alimentam o vício em deslizar, o medo de ficar de fora e a hiperinformação. Muitos estudos já analisam os efeitos colaterais desses hábitos no cérebro humano, e pais e escolas frequentemente restringem de acordo com a idade ou proíbem as telas. Ainda assim, a faixa etária de 15 a 24 anos apresenta a maior taxa de uso da internet em todo o mundo. As telas crescem diante deles, eclipsando seus rostos e escurecendo as janelas pelas quais a realidade antes entrava.
Ainda me lembro da minha infância nesse período de transição para esse digital. Na casa de veraneio da família, eu tinha muito mais liberdade do que no apartamento em que morava. Assim que aprendi a andar de bicicleta, ela se tornou minha fiel escudeira durante as férias. O condomínio era cheio de crianças, cada uma imersa em seu próprio universo imaginário de brincadeiras. Nas raras vezes em que voltei na adolescência, o mesmo lugar parecia esvaziar-se cada vez mais dessas crianças.
Internet: meio de comunicação ou caverna digital?
Por natureza, independentemente da geração, o adolescente é frequentemente considerado antisocial. No entanto, trata-se de uma fase delicada, marcada por descobertas que exigem acolhimento e paciência. Muitos jovens se recusam a se comunicar com os pais ou com outros membros da família.
Tive a sorte de ter sido uma criança pré-adolescente na época de ouro desses canais, absorvendo os valores transmitidos pelos seriados adolescentes do Disney Channel, Nickelodeon e Malhação: estilos de vida desejáveis, leveza no conteúdo e a nostalgia de sentar no sofá da brinquedoteca com minha irmã caçula. Também tive o privilégio de crescer com uma mãe geminiana que compartilhava comigo seus próprios canais de comunicação e fontes de informação da adolescência, sendo essas revistas. Todo mês era garantia nas bancas, me lembro de pôsteres, testes e folheando pelas matérias.
Esses cancelamentos em efeito dominó rompem essas possíveis tentativas de criar diálogos e conexões entre pais e filhos ou dos meios de comunicação possíveis, os deixando à deriva da internet.
Anemoia: a saudade do que esta geração nunca viveu
Um sentimento comum entre os adolescentes da atualidade é a anemoia. Muitos recorrem a atividades e hobbies analógicos, que sempre existiram como uma forma de escapar do universo digital, ao mesmo tempo em que ditam tendências com essas ressurgências culturais. Essa busca por um detox digital inclui desde o uso de dumbphones, crochê, tricô, cerâmica, modelagem, bordado, pintura e desenho, até a criação de diários, álbuns de recortes e o consumo de vinil.
Inteligência Artificial: oráculo ou cárcere da geração digital das cavernas?
Um fenômeno que esta geração está presenciando é a dominância assustadora da inteligência artificial, presente em todos os lugares e disponível a um clique, em debate a restrição de idade. O impacto sobre os jovens é preocupante e se manifesta de várias formas: como fonte de manipulação de informações por meio de vídeos, como vínculo tóxico que funciona quase como um oráculo para suas questões adolescentes, incluindo casos graves em que as inteligências artificiais arquitetaram suicídios, como cola para os deveres escolares e como ferramenta limitante de pesquisa e trabalhos escolares.
Além disso, há uma tendência crescente de jovens buscando apoio emocional e interação social em plataformas de IA, substituindo relações humanas de amizade ou românticas. Isso sem mencionar a perda de habilidades básicas, a preguiça cognitiva, a superficialidade no conhecimento e o compartilhamento excessivo de dados. É a era da desconexão na hiperconexão.
Neste ano, também se discutiu a adultização e a exploração de crianças nas redes sociais, um cenário marcado pela falta de regulamentação e a internet sendo um verdadeiro Velho Oeste.
Ao mesmo tempo, adolescentes são seduzidos pelo palco das redes sociais, onde a profissão de influenciador transforma vidas em espetáculo, antecipando responsabilidades adultas e expondo vulnerabilidades em público. Muitas vezes, ainda vendem um estilo de vida coberto de mentiras: uma falsa ideia de facilidade, suposta sorte, ignorando barreiras reais e os algoritmos que direcionam os conteúdos.
Geração que cresceu diante da pandemia
Um fator pouco mencionado é que muitos desses jovens cresceram durante as restrições da pandemia de 2020. As redes sociais passaram a funcionar como seu mundo problemático primário, onde grande parte das suas aulas e interações sociais ocorreram. Isso me remete ao mito da caverna de Platão, em que a percepção da realidade é mediada por sombras e máscaras, ou, hoje, pelas telas.
Vulnerabilidade e qualidade de vida: há um paradoxo?
Do outro lado dessa questão, pelo menos 25% dos jovens com menos de 25 anos no mundo não têm acesso a infraestrutura básica, como internet e eletricidade. Esses jovens desfrutam de maior qualidade de sono, melhor otimização do tempo, menos sobrecarga de informação e menor pressão social e comparação. No entanto, que atire a primeira pedra quem nunca percebeu que, muitas vezes, dinheiro abre caminhos para a felicidade e essa falta de acesso pode ser prejudicial em vários graus.
Novelas verticais são a solução da geração das cavernas?
Ontem, 25 de novembro, a Rede Globo lançou sua mais nova aposta, com outras estreias previstas para 2026: as novelas verticais. É importante destacar que esse formato não é uma novidade; as classes populares já consomem esse tipo de conteúdo desde 2022 no Kwai, com bilhões de usuários fora dos grandes centros, especialmente nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
Após anos medindo o sucesso de suas novelas apenas pelos pontos na televisão, ignorando o engajamento online e os números de streaming, e enfrentando tentativas falhas de remakes e concorrência de gigantes do streaming, a Rede Globo finalmente deu atenção à internet e à tendência dos microdramas surgida durante a pandemia na China.
Talvez essa seja uma tentativa de se comunicar com a chamada geração digital das cavernas. Mas será que conseguirão prender a atenção desse público em segundos? Muito menos superar o mar de algoritmos necessário para alcançar esses jovens. Sem falar nos desafios criativos, como a construção de uma lógica narrativa envolvente e a criação de conexões reais com o espectador.
Vale lembrar que a Rede Globo continua sendo um dos canais de televisão mais consumidos pelos idosos brasileiros, que ainda representam um público-chave e de grande relevância para a emissora. Apesar de sua presença quase onipresente nos lares e espaços públicos, a audiência do canal está claramente envelhecendo.
Novos meios, velhos temores: os pânicos morais
Pânicos morais sempre fizeram parte das gerações. Qualquer novo meio de comunicação ou expressão cultural tende a ser demonizado pelos conservadores e religiosos como um “demônio popular”. Nos anos 40 e 50, foram as revistas em quadrinhos; nos anos 60, o rock 'n' roll; nas décadas de 70 e 90, telenovelas mais complexas e carregadas de tabus; e, nos anos 90 e 2000, os videogames. Músicas (MPB, rock), peças de teatro e filmes também foram censurados durante o regime militar, sendo vistos como subversivos ou ameaças à moral e aos bons costumes.
Mas seriam as novelas verticais a solução para engajar os jovens? Elas não evitam o uso excessivo, passivo ou problemático da tecnologia e não substituem a higiene digital ou o uso consciente e intencional das telas. Além de contribuir para o fênomeno de simulacra, aonde a simulação substitui a realidade e a copia fica mais real que original, que talvez não exista mais.
Ao mesmo tempo, perpetuam um ciclo vicioso: adolescentes permanecem escondidos atrás das telas, absorvendo as migalhas de informação recortada e sem dar um pio, enquanto o capitalismo continua em caça do consumidor, guiado pela lei da oferta e da procura.
E se a geração digital das cavernas permanece escondida atrás das telas, estamos realmente conectando com o mundo ou apenas vivendo sombras de uma realidade simulada?


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